Os impactos da pandemia de COVID-19 no pequeno varejo brasileiro
Desde que comecei a me familiarizar com o dia a dia do varejo, antes mesmo de fundar a Hiper, entendi uma das principais características deste mercado: não existe um dia igual ao outro no varejo.
É um mercado dinâmico por essência, e que bom que é assim. Existem mudanças acontecendo a todo momento, novos modelos de negócio são lançados com frequência, agitando o cenário competitivo, sem falar na adoção da tecnologia, que a cada dia se torna mais protagonista do sucesso das empresas deste setor.
Mas, embora o motor do varejo estivesse batendo num bom compasso, o ano de 2020 veio para estabelecer novos patamares de dinamismo.
A começar pelo fato de que as expectativas para o ano de 2020 estavam elevadíssimas, ao se tratar da retomada da economia no Brasil. O otimismo era predominante em meio aos empreendedores dos mais diversos setores e tamanhos de negócio.
Um ano que prometia
Há algum tempo, a Hiper tem mensurado índices de mercado que refletem o comportamento da atividade econômica do varejo de pequeno porte, que configura de forma heterogênea o perfil dos nossos clientes, em sua maioria absoluta micro e pequenas empresas (MPE), distribuídos em mais de 2.000 cidades do país.
Nas primeiras 8 semanas do ano, os números do varejo de pequeno porte representavam uma aceleração no volume de vendas e faturamento, registrando crescimento de 26% no faturamento em 2020 quando comparado com o mesmo período do ano de 2019, conforme demonstra o gráfico a seguir.
O inimigo invisível
Foi então que chegou ao Brasil um inimigo silencioso e invisível, a pandemia do novo coronavírus, agora conhecido como COVID-19.
Os maiores efeitos começaram a aparecer na segunda quinzena de março, quando os estados e municípios intensificaram a adoção de medidas para conter a disseminação do vírus, estabelecendo o isolamento social e o fechamento dos estabelecimentos comerciais e espaços públicos.
De maneira imediata, houve impacto no número de estabelecimento operando normalmente, que na sua grande maioria eram dependentes única e exclusivamente do ponto de venda físico para realização das suas vendas.
Em 25 de março, nossos índices apontavam uma redução de 55% no número de estabelecimentos realizando vendas, conforme pode ser observado no gráfico abaixo. Duas semanas depois, os sinais de recuperação apontavam para um retorno lento e gradual, onde 35% dos estabelecimento ainda permaneciam inoperantes.
O impacto, além de imediato, foi bastante agressivo, por se tratar de empresas de pequeno porte, onde as reservas de caixa nem sempre são robustas o suficiente para cobrir um período longo sem o giro de vendas.
Durante os meses de abril e maio, entre as semanas 12 e 17, registramos o ápice do impacto nas vendas do varejo (vide gráfico abaixo), com uma queda expressiva que revertia o quadro de crescimento acelerado observado nas primeiras semanas do ano.
Em paralelo, seguiam os rumores e a indefinição sobre a continuidade do período de fechamento dos estabelecimentos comerciais em todo o país. Além disso, eram anunciadas constantes previsões, por renomadas gestoras de investimento e instituições financeiras globais, sobre a queda do PIB brasileiro.
Os números não ajudavam a trazer otimismo, com estimativas apontando para queda da atividade econômica do país na faixa de -7% a -10% para 2020.
Sinais de retomada
Concluído o primeiro semestre de 2020, ainda nos deparamos com muita gente recuperando o fôlego.
Em contrapartida, diversos dados econômicos vêm trazendo novas perspectivas, uma vez que já são conhecidos os impactos em muitos setores da economia. Há quem aponte para números menos amargos para o PIB brasileiro neste ano, com cenários de queda girando entre -3% a -5,5%.
Durante o segundo trimestre de 2020, apesar de todos os efeitos negativos da pandemia, alguns números do pequeno varejo ainda se mantiveram positivos. Foi o caso do faturamento médio diário, que seguiu evoluindo, ou seja, quem conseguiu manter sua operação rodando, registrou faturamento melhor do que no mesmo período de 2019.
Ao compararmos a última semana de junho, com a primeiro semana de março, período anterior às medidas de fechamento do comércio nas diversas regiões do Brasil, observa-se uma evolução de 33% no faturamento médio diário por estabelecimento.
Atualmente, registramos um volume superior de lojas operando àquele do período pré-pandemia. Entretanto, isso não significa que todos aqueles estabelecimentos voltaram a operar, uma vez que novos clientes foram incluídos na contabilização durante o período analisado.
Não há evidências suficientes para concluir se aqueles que ainda não retomaram suas atividades farão parte da estatística de mortalidade das empresas ou se ainda voltarão a operar, mas infelizmente são fortes candidatos à primeira hipótese.
Sobre o futuro, já se ouviu de tudo. Desde projeções de uma retomada mais lenta, cujo gráfico se assemelha à letra “L”, parecendo-se também com o “swoosh”, o famoso símbolo da Nike, até cenários com uma retomada num gráfico em formato de “V”, que seria mais acelerada.
Na prática, boa parte do que se fala são apenas suposições, haja vista que não vivemos algo com proporções parecidas num passado recente.
O que nos cabe é organizar a casa, planejar cenários de estresse e acompanhar as guinadas que o mercado vem sinalizando, repensar a operação, adotar novas formas de servir ao cliente, principalmente no que se refere à presença digital, em linha com os novos hábitos de consumo.
Basta olhar para os reflexos já presentes no nosso cotidiano, afinal somos todos consumidores. Quanto a isso, eu reforço: não tire os olhos do comportamento dos consumidores.
Já não podemos nos referir ao tão citado “novo normal” como futuro. Estamos vivendo num mundo diferente. Se alguém discorda, talvez tenha perdido alguns capítulos da sequência de fatos que nos trouxe até aqui.
Como citei no começo deste artigo, o varejo é muito dinâmico, pulsa em alta velocidade, e as mudanças estão sendo turbinadas pelo momento de incertezas que vivemos.
Fica, sem dúvida, uma lição. Não podemos impedir as tempestades e tampouco conseguimos prever todos os cenários. Mas podemos ajustar as velas sempre que o vento muda de direção e nos adaptarmos. Mais uma vez, os vencedores serão aqueles que se adaptaram com maior agilidade.